“L’Olympia” acolheu The National na estreia mundial de “I Am Easy To Find”

O projeto de Ohio nasceu em 2001 com o álbum homónimo “The National”, e junta os irmãos Scott e Brian Davendorf na seção rítmica, os gémeos Bryce e Aaron Dessner nas guitarras e piano, e o carismático vocalista Matt Berninguer, que se move com desenvoltura no intervalo entre eles.
Facebook
Twitter
LinkedIn

O quinteto tem apostado no somatório do talento individual de cada um dos seus membros com a cumplicidade entre todos. O sétimo álbum de estúdio, “I Am Easy To Find”, assinala a maioridade da banda, depois de “Sleep Well Beast” ter conquistado o Grammy para melhor álbum de musica alternativa de 2017. O lançamento agendado para 17/05/2019 foi precedido por cinco espetáculos de apresentação em recintos emblemáticos de Paris, Londres, Nova Iorque, Toronto e Los Angeles.

Foi neste contexto que, a 16/04/2019, no rescaldo do incêndio que devastou a “Notre Dame”, o L’Olympia se encheu para “A Special Evening With The National”.

O palco era uma tessitura de instrumentos, microfones e monitores, diante de um grande écran cinematográfico. Matt Berninger contornou-os, aproximou-se do publico, e com a humildade de quem sabe que a arte é maior do que o homem, homenageou a catedral ardida. Em seguida, desvendou como a noite refletiria a tridimensionalidade de “I Am Easy To Find”. Primeiro com a exibição da curta metragem de Mike Mills na qual o álbum está incorporado, depois com uma sessão de perguntas e respostas e, por fim, com os “The National” a tocarem as músicas ao vivo, pela primeira vez.
As luzes apagam-se, e numa projeção em preto e branco suave, Alicia Vickander protagoniza o ciclo da vida. Sem alterar a sua aparência física, a atriz sueca atravessa todos os clichés do percurso entre o nascimento e a morte, através da linguagem corporal, de mudanças subtis no cabelo e vestuário, de figurantes que entram e saem sem deixar peugadas, e de uma narrativa minimalista em voz off legendada. Ahh, e da música, sim, da música. Música que não é uma banda sonora, como o filme não é um vídeo clip: ambos são parte de uma mesma estória, rodas dentadas de um círculo vicioso estereotipado, dentro do qual se tenta descortinar a individualidade que distingue cada ser humano do seu predecessor e do seu sucessor. O ritmo das imagens é pausado, quase monocórdico, e a sequência geracional é mais repetida do que renovada. Mas a música é dinâmica, criativa, por vezes desconstruída, a cada instante uma novidade, uma aprendizagem, um salto de esperança para além da métrica formatada da existência. A realização é soberba, no enlace milimétrico entre as imagens e o som, na introdução de assimetrias sonoras no jogo de simetrias visuais, e na facilitação do óbvio como trampolim para o impercetível.

As luzes de cena acendem-se, e quatro bancos altos são ocupados por Matt Berninger, Mike Mills, Bryce Dessner e Gayle Ann Dorsey, sim a musa do baixo de David Bowie. Alternadamente, vão imputando a iniciativa a Mike Mills que, para além de realizar o filme produziu o álbum. As filmagens fizeram-se em cinco dias, algumas das músicas até já estavam feitas, mas o trabalho de edição e produção levou mais de um ano. Quando sentiram que uma protagonista visual feminina clamava por vozes femininas com as quais se identificassem, Aaron convidou Gayle. Com ela vieram Lisa Hannigan, Sharon Van Etten, Mina Tindle, Kate Stables e o Brooklyn Youth Chorus, para encarnarem os diferentes estádios da vida e darem uma voz própria a cada desafio. Nem todas as músicas são audíveis no filme, mas todas estão dentro dele como aros de uma bicicleta. O conceptualismo é intrincado, e marcado pelo atrevimento de subir mais alto, para ver para além do horizonte conhecido.
Depois de uma pausa, os “The National” tomam conta do recinto, e com eles uma orquestra napoleónica: um sexteto de cordas, uma dupla de metais, uma bateria adicional, reforços de teclados, Gayle, Tindle e mais uma companheira. Vinte artistas para interpretarem treze temas de “I Am Easy To Find”, dentro de um retângulo de contornos luminosos, contra a tela do écran que a cada tema muda de cor e ostenta o respetivo nome.

Abrem com o single “You Had Your Soul with You”, um clássico antes de o ser, com a geometria de barítono de Matt enquadrada pela dinâmica instrumental construída em torno de um jogo de toca-e-foge da bateria e de guitarra. A progressão é interrompida pela entada de Gayle, que em quatro versos rapta a música, para a devolver a Matt num dueto de simbiose perfeita.
Quiet Light” traz a intimidade de uma alvorada entre lençóis de piano. A interpretação de Berninger oferece uma nudez de vulnerabilidade, exponenciada pela languidez das cordas, que despertam e se vão espreguiçando ao longo das teclas à medida que o céu clareia, até se renderem à dolorosa interpretação, quase a capella, da sequência final: “Learning how not to cry / Every time there’s another sad unbearable morning / But sometimes there’s nothing I can do”. Irresistível.

“Roman Holliday”, é Berninger em modo de “Cary Grant interpretation of Leonard Cohen”, numa homenagem quase mímica à imortalidade de Audrey Hepburn. Gayle transforma o monólogo em conversa, e corporiza a subtileza com que os casais de longa data realçam o que de melhor há em cada um. “Oblivions” arranca com uma sequência de piano déjà vue, que vai ganhando balanço a cada rufar da tarola, e serve de tapete a um diálogo romântico entre Matt Berninger e Mina Tindle, iluminado por arranjos de cordas etéreos.

“The Pull Of You” é o primeiro momento épico da noite – um circuito cuja unidade é assegurada pela genialidade da percussão irrequieta de Davendorf. Inicia-se com um dueto delicodoce entre Matt e Mina, que o primeiro remata num um exercício de spoken word que suga o ar da atmosfera e abre caminho às guitarras e, embalado por elas, toma a música de assalto, até Mina o resgatar em modo de chefe de cabine, e ambos regressarem ao dueto de partida com uma nova dinâmica, liderada por uma instrumentalização quase orquestral.

Os créditos introdutórios de “Hey Rosey” são atribuídos por Berninger à letra da autoria da sua mulher, Carin Besser, e o paradoxo “I will love you like there’s razors in it” é elevado a outro nível pela entoação de Gayle, pela guitarra de Bryce, e pelos arranjos de metais. “I Am Easy To Find” dá o nome ao álbum, é um tema quase atmosférico, que se alimenta da manipulação digital de Aaron, inspirada em Justin Vernon, e ganha uma dimensão onomatopeica nas repetições do verso “I’m still waiting for you every night with ticker tape, ticker tape”.
“Where Is Her Head” é um rock & roll luxuriante, num ritmo de corrida apressada que vai angariando mais e mais instrumentos, mais e mais sons, como um autocarro em movimento extraído do ultimo álbum dos Arcade Fire.

“So Far So Fast” oferece um momento de descanso e tranquilidade, está no limbo entre o mantra e o salmo, imbuída da paz de um sussurro, com uma extensão instrumental belíssima, a flirtar o neo-clássico.
“Hairpin Turns” prolonga-se numa valsinha que volteia em torno de si mesma, e ao redor de uma melodia intuitiva de piano, e “Rylan” recebe a adesão imediata do público a um tema antigo numa casa nova.

O fecho fica a cargo do minimalismo de “Light Years”, que remete instintivamente para “Carin at The Liquor Store”, e é terreno fértil para a expressividade de Matt Berninger e para os teclados de Aaron, permitindo à banda terminar deixando o público em suspenso, e a clamar por mais.
O regresso tem um prólogo: “Not in Kansas” foi escrita de uma assentada, e Matt entregou as gravações com a recomendação que os mais de 9 minutos da letra não fossem alterados, mas na primeira mistura tinham sido cortados três minutos e meio, e nascido uma música dentro da primeira. O resultado foi aprovado e é o que consta do disco. Beringner entrega-se ao tema e declama-o como um manifesto, acentuando o contraste com o coro quase ecuménico que lhe confere peculiaridade. É um final em nome próprio.
A banda agradece aos convidados, dispensa-os e reduz-se à sua formação original, oferecendo quatro bónus a uma audiência insaciável “Bloodbuzz Ohio”, “I Need My Girl”, “Guilty Party” e “Fake Empire”.

Os puristas dos “The National”, congelados na magnificência de “High Violet”, talvez resistam a assimilar “I Am Easy to Find”, e a reconhecer a evolução criativa e o reforço de coesão que representa. Mas a verdade é que Matt, Aaron, Bryce Scott e Brian, são de um nível de excelência que permite a cada um dar o seu melhor sem pisar o outro, o que é de uma raridade extrema e catapulta os espetáculos ao vivo para a estratosfera. Mesdames et Messieus, isto é uma banda.

Menu

Bem-Vindo(a)!