Porto apaixona-se pela nudez dos First Breath After Coma

São cinco, como os heróis de Enid Blyton, e começaram com a elegia das desventuras, vaguearam pelo estrelato e despiram-se num álbum que vai fazer história.
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First Breath After Coma é muito mais do que o somatório das cordas vocais e instrumentais do Roberto Caetano, Rui Gaspar e Telmo Soares, com os teclados do João Marques e a bateria do Pedro Marques. É um trajeto que arrancou de Leiria em 2012 com o audacioso “The Misadventures of Anthony Knivet”, foi premiado em 2016 com “Drifter”, e está a deslumbrar 2019 com a multidimensionalidade de “NU”. Uma rota do post-punk ao intimismo experimental, delineada com elegância e isenta de facilitismos.

A digressão europeia de lançamento de “NU” partiu de casa, e visitou Lisboa, Porto e Coimbra antes de cruzar a fronteira. Na noite internacional da mulher, ao longo da linha de palco da Sala 1 do Hard Club do Porto está bordada uma frase de teclados, guitarras, microfones e percussão. Cada um separado do seguinte uma tira luminosa, e a bateria, vigilante, sobre um estrado, a fazer as vezes de ponto final. Um alinhamento pouco convencional, que sacrifica a profundidade em prol da proximidade a uma sala repleta de expectativas.

Uma cortina de fumo arrasta o quinteto, em passo lento e vestes casuais. Cada um ocupa a posição que lhe compete e, de uma assentada, entregam-se a “The Upsetters”, “Howling for a Chance” e “Change”. A cumplicidade entre eles é palpável nas alternâncias de vozes, na potencia dos coros, e em cada milimétrica rima instrumental interpolada. Essa química alastra-se para o público, abraçando-o e elevando-o acima do chão, até aquela frequência onde nascem o falsete do Roberto, a destreza do Telmo, a polivalência do Rui, a entrega do João, e a perícia do Pedro. “God damn, I fucking love you”. Um agradecimento comovido introduz o regresso ao passado, e nunca os cinco minutos e meio de “Apnea” soaram tão bem: o baixo sincronizado com o batimento cardíaco, a bateria a lutar por oxigénio, e a redenção a chegar pelo poder explosivo das guitarras. “Nagmani” é uma longa e profunda respiração, um murmúrio rebolado sobre um o tapete de piano que se prolonga até ao infinito. A hipnose coletiva é interrompida por um resumo sobre a génese de “NU”, mas logo retomada com o gospel de “Please Dont’t Leave”, onde a bateria parece tropeçar em si mesma, numa corporização da renitência. A iluminação tinge-se de azul e aconchega-se a “Uneasy”, para ganhar balanço e ser projetada em flash back até à epopeia em dois atos de “La Mar” e “Nisshin Naru”. Há quem flutue na história, quem nade na melodia, quem mergulhe nos silêncios, mas todos vão sendo sugados para uma espiral crescente de cordas, e centrifugados num turbilhão de rock&roll reverbado apoteótico. “Salty Eyes” capitaliza essa energia, e expele-a em viciantes ciclos de uh-uh-uh-uh. O palco tinge-se de vermelho, a distorção de voz lidera, e “Heavy” ondula entre o corpo e a alma. Os First Breath After Coma abandonam o palco deixando cada espectador à procura de si mesmo. Regressam para dar voz ao Rui, que interpreta “I Don’t Want Nobody” quase a capella, cortando a irrigação sanguínea entre o âmago da terra e o epicentro da lua. O vácuo é preenchido com a melodia sincopada de “Feathers and Wax” que espalha a moral mitológico de Ícaro. Missão cumprida. O post scriptum pertence a “Blup”, pertence ao público que grita o refrão, pertence ao piano que desafia a bateria, pertence às guitarras eufóricas, e pertence a todas as grandes, grandes musicas que nos conseguem fazer acreditar que“A new dawn is coming”.

Os First Breath After Coma têm revelado um profissionalismo desarmante na gestão do talento. Neste novo álbum atreveram-se a reduzir as emissões de guitarra e reverb e a reciclarem teclados, sintetizadores e silêncios, sem perderem a linha estética, e acentuando a comunhão com a musica. Estão na linha da frente da primeira liga nacional.

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